domingo, 15 de março de 2009

POEMA EM LINHA RETA


POEMA EM LINHA RETA - Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) - meu poema predileto de meu poeta de cabeceira



Para ser lido todos os dias, pela manhã, para que cada um de nós se dispa de qualquer pompa, cerimônia, títulos e cargos, e comece o dia se conscientizando da  insignificância humana. Enfim, não há muito o que comentar. Basta ler o poema 



Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza

2 comentários:

  1. Eis nosso Juca por aqui num Blog. Mais uma alegria que nos dá, esse cara inquieto, sagitariano la dos Avaré, amigo, parceiro de muitos festivais por esse Brasil afora. Fico feliz por ter mais esse acesso as coisas do Juca. E tenho a certeza muitos ficarão, pois só terão coisas lindas para ler e ficarem cientes principalmente no que se fere a música e a poesia. Parabéns meu irmão. E estaremos sempre por aqui, com certeza. Um abraço dos amigos do sul. Ivanhoé.

    ResponderExcluir
  2. Ivanhoé, nome e caráter de herói. Amigo lá das plagas dos pampas. Seu testemunho é como uma garrafa de champanhe da melhor safra, batizando meu navio recém-lançado ao mar. Não poderia haver batismo melhor.
    Obrigado !
    juca

    ResponderExcluir