domingo, 29 de março de 2009

AMOROSO - Joao Gilberto - CD





Eis o mestre, o grande divisor de águas da musica popular brasileira.


Sei perfeitamente que João Gilberto é um dos mais polêmicos verbetes da música popular brasileira. Já li e ouvi o chamarem de chato, enganador, produto de marketing...

Pois para mim, é um dos mais importantes - se não o mais importante - artista da história da música popular brasileira, pelo que representou e influenciou seu surgimento como cantor e instrumentista, no final dos anos 50.

Dou o meu testemunho, que coincide com o de muitas pessoas. Comecei a me interessar por música pra valer quando tinha uns onze, doze anos. Até então, além do meu universo de pianista clássico mirim, que tocava de Chopin a Villa Lobos, a música popular se dividia entre o enorme sucesso da Jovem Guarda e os discos da minha mãe, que tinham Caymmi, Sílvio Caldas, Angela Maria e por aí vai... Do dia pra noite, ao mesmo tempo em que me tornei beatlemaníaco, comecei a colecionar os fascículos e discos de uma coleção da Abril Cultural, "Historia da Música Popular Brasileira". Foi lá que ouvi pela primeira vez gravações clássicas originais de obras de Ismael Silva, Noel Rosa, Lupiscínio, Ary Barroso, Braguinha, tudo da perspectiva do autor.
Embora eu tivesse plena consciência da importância histórica daquelas gravações, a maioria delas me soava estéticamente como algo meio ultrapassado, nos arranjos, nas vozes, nos registros... E foi num desses discos que ouvi pela primeira vez uma gravação de João Gilberto, cantando "Morena boca de ouro", de Ary Barroso. Foi um choque. Ali estava tudo : ritmo, harmonia, um violão impressionantemente bem tocado, e com aquela voz pequena, afinadíssima e cheia de suingue. Tudo isso com um frescor, uma leveza que soam como algo moderno até hoje, cinquenta anos depois de suas primeiras gravações.

Ouvi João Gilberto, portanto, tardiamente - quando ele já tinha uns quinze anos de carreira. Imaginem, pois, o impacto que ele causou, em 1958, quando lançou seu primeiro disco. É desse ângulo que ele deve ser ouvido e analisado. Aliás, boa parte da geração dos grandes compositores dos anos 60 testemunhou, quase unanimemente, a revolução que Joao Gilberto causou em suas vidas. Vou reproduzir aqui três depoimentos, tirados do ótimo livro "Eis os bossa nova" , do mestre Zuza Homem de Mello :

"como me mostraram o disco do João cantando " Desafinado" e eu vibrei, vi que era genial e fiquei encantado, Desse dia em diante, passei a me preocupar mais com música do que com o resto das coisas. Foi isso que me deu vontade de me profissionalizar, combinado com o encontro com Gilberto Gil, que também tinha sofrido o mesmo impacto com o aparecimento do disco do João Gilberto" (Caetano Veloso)

"Eu saí correndo da loja e ouvi "Desafinado" dez vezes seguidas, quer dizer, o negócio me entusiasmou mesmo. Acho que todo mundo que faz música atualmente foi muito influenciado por esse movimento e acreditou nele desde o começo" (Chico Buarque)

"...telefonei para a radio perguntando o que era aquilo, quem estava cantando aquele troço, disseram que era o João eu fui à loja de discos procurar, ainda não tinha chegado, mas quando chegou eu comprei, foi aquela paixão absoluta, momentânea e total pela coisa, foi uma paixão que me tomou durante todos aqueles anos subsequentes em que eu comecei a tomar contato com tudo que dizia respeito à Bossa Nova sem nenhum sentido de separação, eu gostava de tudo" (Gilberto Gil).

Nada foi igual a antes após o lançamento do primeiro disco de João Gilberto Não apenas pela gravação das grandes obras de Jobim, em parceria com Vinicius e Newton Mendonca (dentre elas, o " Desafinado"), mas também pelas regravações de músicas de compositores da "bossa velha" , como Ary Barroso, Caymmi, Herivelto Martins, etc. João deu uma nova dimensão a essas obras, seja com a batida do violão que se tornou universal (e que influenciou não só a música brasileira como um todo, mas toda a turma do jazz, e até recentemente artistas como John Pizzarelli, Jamiroquai, Al Jarreau), seja na voz pequena, sem aqueles vibratos e os vozeirões que marcavam a música popular até aquela época. Hoje, perdeu-se a perspectiva da grande revolução causada por ele. E é óbvio que tal revolução se deu também porque as canções de Tom e seus parceiros tinha uma modernidade nas harmonias, melodias e letras, que representavam uma quebra de paradigma em relação ao que existia até então. No entanto, João concentrou todas essas novidades na batida do seu violão, e no seu canto ímpar. Se é verdade que outros já tinham cantado despojadamente (como Mário Reis), ou tenham usado uma batida que pudesse lembrar a dele (como Garoto), a verdade é que nenhum outro artista inseriu em sua arte todos esses elementos tão significantes, influenciando de forma tão marcante a música popular brasileira.

Mas se o primeiro disco de João Gilberto capitalizou toda essa influência, o meu disco de cabeceira é "Amoroso", lançado em 1977, quando eu já era um grande consumidor de MPB. Na época, João vivia nos Estados Unidos, e incluiu no repertório não apenas música brasileira, mas norte-americana ("S' Wonderful", de George e Ira Gershwin), italiana ("Estate" , de Bruno Martino) e mexicana ("Besame Mucho" , de Conselo Vasquez).

Nesse disco, para mim estão as melhores versões de dois clássicos de Jobim : " Wave" e "Triste". Insuperáveis, um primor. Além da voz caracteristica de João, em plena maturidade, e do violão cada vez mais afiado e ritmicamente poderoso, os arranjos de cordas de Claus Ogerman, delicadas e em plena sintonia com o universo musical do artista, criaram a moldura sonora apropriada para que "Amoroso" ficasse registrado como um dos grandes discos da história da musica popular.

Quando tenho dúvida sobre o que ouvir, sempre começo por João Gilberto. É a síntese de tudo o que valorizo e gosto na música popular.



Serviço - Trechos de "Amoroso" podem ser ouvidos no link



E, além do livro citado acima, há outro de meu amigo Zuza Homem de Mello que é referência preciosa para quem quiser saber mais sobre o assunto : "João Gilberto", da editora Publifolha.








Um comentário:

  1. Juca Novaes, também tardiamente vim a curtir João Gilberto, e quando o assisti (nos anos 90) com seu violão e voz no Tom Brasil, ele me "pegou" de vez.

    Para mim, ele ainda é inspiração, renovação e revolução.

    Há alguns anos (já neste século XXI) um dos maiores violonistas e guitarristas do mundo, Eric Clapton, o ouviu em Londres, ficou fascinado e impressionado e logo em seguida lançou o CD "Reptile" abrindo com uma "bossa" dedicada ao João.

    Concordo com Caetano Veloso que disse: "depois de João só o silêncio"

    Obrigado pela indicação de "Amoroso" (ouvi uns trechos no link indicado) e vou comprar.

    Um forte abraço.

    Madan.

    www.myspace.com/madanmusic

    madanmusic@uol.com.br

    São Paulo/SP/BR

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