terça-feira, 21 de abril de 2009

A CARA DO BRASIL - canção



Conheci Celso Viáfora em 1983, no primeiro festival de Avaré. Eu noviço na área, ele já experiente, tendo sido finalista no famoso festival da TV Cultura, e premiado em muitos outros. Ficamos amigos de cara, pois, além de ser totalmente do bem, ele também é formado em direito. E corinthiano roxo. Essa rara equação música - direito - Corinthians nos rendeu, desde sempre, muitas conversas à frente de garrafas de cerveja.


Naquele primeiro festival, ele não foi premiado, e após o evento fez um samba lindo, ainda inédito (que prometo que vou gravar um dia), chamado “Coração afobado”, falando daquela sua experiência de desclassificado. No ano seguinte, voltou com a poderosa “Grão da terra”, e arrebatou o primeiro lugar. Como em 1985 foi o vice-campeão, decidimos tirá-lo da competição, e desde então já fez de tudo no pedaço : foi jurado, fez shows, foi membro da comissão de pré-seleção, participou do encontro de letristas, das rodas de violão, dos jogos de futebol... virou sócio honorário da Fampop, como outros que por lá passaram e fizeram história (como, dentre outros, Jean Garfunkel, Lenine, Moacyr Luz, Rafael Altério, Chico César, Zeca Baleiro, Jorge Vercilo, Professor Pasquale, Zuza Homem de Mello...)


Mas o fato é que o Celso se tornou um dos maiores compositores de uma geração que ficou órfã, no panorama da música popular produzida no Brasil. A geração que era pra surgir no pós – 85, quando foi realizado o último festival de TV realmente influente, aquele que lançou Leila Pinheiro, e que acabou com a vitória de Tetê Espíndola cantando “Escrito nas estrelas”, de Arnaldo Black e Carlos Rennó. Depois daquele festival, as coisas mudaram para pior, e o jabá se consolidou cada vez mais como único critério de execução nas rádios. Não é à toa que Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano, ao escreverem a estupenda obra (em dois volumes) "A canção no tempo", pela editora 34, tenham parado exatamente no ano de 1985, como o último em que valeria a pena ser dimensionada a trajetória da música popular feita no Brasil. Aliás, quem gosta desse assunto não pode deixar de ter esses dois livros. É referência obrigatória.


Voltando ao que estava dizendo : é claro que esse novo cenário tem a ver, também, com a extinção dos grandes festivais televisivos. Até porque esses eventos eram a única janela realmente democrática para surgimento de novos compositores e intérpretes. Vários dos meus ídolos saíram dos festivais, desde aqueles dos célebres anos 60 (Chico, Gil, Caetano, Edu Lobo, Milton Nascimento, Dori Caymmi, Elis Regina, MPB-4), até os dos anos 70 (Ivan Lins, Djavan, Alceu Valença, Luiz Melodia, Walter Franco...). Embora sempre existam teorias conspiratórias sobre os resultados de alguns desses eventos, a verdade é que os festivais das TVs Excelsior, Record, Tupi, Globo, representavam outros tempos, nos quais novas músicas viravam sucesso do dia pra noite porque o público dos festivais assim o queria, e não por conta de elucubrações prévias de gravadoras, como passou a ocorrer a partir do final dos anos 80. A partir daí, tiraram a opção de escolha do público, com o fim dos festivais, iniciando a invenção sucessiva de gêneros monolíticos, que passaram a dominar o mercado a cada verão : inventaram a onda sertaneja, depois a onda do axé, depois a onda do funk, depois... sempre temperada com muito, muito jabá.
Se isso não bastasse, a maior divulgadora e incentivadora dos novos compositores havia falecido no início dos anos 80, sem deixar sucessora : Elis Regina. Que lançou em primeira mão não apenas Ivan, Milton, Gil, João Bosco... mas também Jean Garfunkel, Thomas Roth, Renato Teixeira. E que, imagino, lançaria, dentre outros, Celso Viáfora.

Celso é um dos expoentes de uma geração que cresceu aprendendo a fazer músicas com harmonia, melodia, letra, canções que tinham idéia e elaboração. No mundo pós-Elis Regina, pós-festivais, ou seja, na geração jabá, esse tipo de artista deixou de fazer sentido. Com a falta de espaço, muitos desses criadores, a partir do meio dos anos 80, passaram a mostrar seu trabalho em festivais como o de Avaré. Celso passou por lá, Luiz Carlos da Vila também, Kleber Albuquerque também, Rita Ribeiro também, Virginia Rosa também, Ceumar também (isso pra não não falar dos sempre citados Lenine, Chico César, Zeca Baleiro, Jorge Vercilo, Moacyr Luz). Zuza resumiu isso num texto de 1996 : "Avaré viu e ouviu primeiro". Pois se os festivais das redes de TV não tivessem parado em 1985, teria sido o Brasil como um todo, do Oiapoque ao Chuí, a ouvir esses nomes e suas canções, há muitos e muitos anos...


Celso Viáfora é um artista completo, como compositor, letrista, instrumentista e intérprete. Imagino se, com essa capacidade de fazer canções inventivas e poderosas, ele tivesse iniciado carreira em outras épocas menos tormentosas para criadores do seu naipe. Estaria, não tenho dúvidas, ao lado dos maiores nomes da chamada MPB, não apenas para poucos iniciados, jornalistas e críticos, mas para o público consumidor de música popular brasileira.


Em vinte e tantos anos de carreira, gravou uma meia dúzia de discos, gerando uma obra com várias canções irretocáveis. Iniciou uma bem sucedida parceria com Ivan Lins, do qual destaco pelo menos um clássico : o samba “Emoldurada”. E tem uma outra parceria que gerou uma usina de canções bem feitas e que merecem ser conhecidas : com o baiano de Serrinha Vicente Barreto, compositor cheio e suingue, com uma mão de direita inigualável no violão.

Pois pelo menos uma das criações da fábrica Barreto/Viáfora é uma das minhas canções preferidas : “A cara do Brasil”, gravada por Celso e também por Ney Matogrosso. Poucas vezes um texto descreveu com tanta lucidez, riqueza poética e criatividade os contrastes e contradições do brasileiro. Tive a honra de cantar no vocal que gravou a primeira versão, no disco homônimo, do próprio Celso, produzido por Helton Altman, no antigo estúdio da RGE, na Avenida Marquês de São Vicente.
Eis, enfim, uma canção que poderia fazer parte de qualquer antologia da música popular produzida no Brasil, dos últimos 20 anos.
De cabeceira, sem dúvida.


A CARA DO BRASIL

Eu estava esparramado na rede

jeca urbanóide de papo pro ar

me bateu a pergunta, meio à esmo:

na verdade, o Brasil o que será?

O Brasil é o homem que tem sede

ou quem vive da seca do sertão?

Ou será que o Brasil dos dois é o mesmo

o que vai é o que vem na contra-mão?
O Brasil é um caboclo sem dinheiro

procurando o doutor nalgum lugar

ou será o professor Darcy Ribeiro

que fugiu do hospital pra se tratar

A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho

Ninguém precisa consertar

Se não der certo a gente se virar sozinho

decerto então nunca vai dar

O Brasil é o que tem talher de prata

ou aquele que só come com a mão?

Ou será que o Brasil é o que não come

o Brasil gordo na contradição?

O Brasil que bate tambor de lata

ou que bate carteira na estação?

O Brasil é o lixo que consome

ou tem nele o maná da criação?

Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho

que é o Brasil zero a zero e campeão

ou o Brasil que parou pelo caminho:

Zico, Sócrates, Júnior e Falcão

A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho...

O Brasil é uma foto do Betinho

ou um vídeo da Favela Naval?

São os Trens da Alegria de Brasília

ou os trens de subúrbio da Central?

Brasil-globo de Roberto Marinho?

Brasil-bairro: Carlinhos-Candeal?

Quem vê, do Vidigal, o mar e as ilhas

ou quem das ilhas vê o Vidigal?

O Brasil encharcado, palafita?

Seco açude sangrado, chapadão?

Ou será que é uma Avenida Paulista?

Qual a cara da cara da nação?

A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho ...


Serviço – para ver e ouvir “Cara do Brasil” com Celso Viáfora
http://www.youtube.com/watch?v=tQCJfC-eiJI

para ouvir a versão de Ney Matogrosso :

http://www.youtube.com/watch?v=GUQ7nWb_d58&feature=related

domingo, 5 de abril de 2009

GUARDANAPOS DE PAPEL - canção



Canção, eis a paixão da minha existência.

Sendo mais específico, a chamada canção popular urbana : aquela que todos os que tem mais de vinte e cinco anos aprenderam a conhecer, ouvir e curtir, seja da lavra de um Chico Buarque, seja de um Nando Reis, seja de um Tom Jobim, seja de um Stevie Wonder, seja de uma Adriana Calcanhoto, seja de um Paul Mcartney, seja de um Vander Lee, seja de um Lenine...

O que motivou cada um desses autores a fazer essa ou aquela canção ? Em que contexto foi criada ? Quais os seus elementos ?

Falo da canção cujo formato se delineou no decorrer do século XX, com melodia, letra, harmonia, ritmo. A partir dos anos 60, essa canção popular deixou de ser um objeto apenas de entretenimento, e passou a representar algo mais sólido, culturalmente falando. No Brasil, passou a ter um patamar similar à literatura, ao teatro... Eu me acostumei a ver a canção a partir desse ângulo de visão. Nos anos 70, por exemplo, cada disco novo do Chico Buarque, do Gilberto Gil, do Milton Nascimento, era recebido como um baú cheio de maravilhas. A conjuntura política de então conferia um sentido diferente àquelas obras, estimulava os autores a usar cada vez mais criatividade para driblar a proibição de falar sobre determinados temas ou abordagens. Certamente, esse clima pesado estimulou a criação. Porisso, as canções daqueles LPs lançados naqueles anos ficaram entranhados em nossas almas. Cada acorde, cada verso daquelas músicas estão em nossas memórias afetivas, tanto os momentos mais brilhantes, como até aqueles nem tão criativos.

Há alguns anos, teve início uma discussão, iniciada pelo escritor e crítico musical José Ramos Tinhorão, tendo como eixo o entendimento de que a “canção acabou”, e que o rap seria a nova forma de instrumentalizar a música popular, nesse cenário repleto de inovações tecnológicas, digitalização, difusão da música na rede Web, etc. Os novos formatos de canção popular, diz Tinhorão, privilegiam o ritmo e a palavra, sendo que outros elementos, como harmonia e melodia, fariam parte de um espécime em extinção.

A questão é polêmica, e prometo voltar a ela num outro post. Por hora, quero dizer que tudo o que escrevi até aqui, na verdade, é só um preâmbulo para falar de uma das minhas canções de cabeceira, daquelas que o autor acertou “na veia”. Isso não acontece a toda hora. Às vezes, é por causa da letra. Outras vezes, por causa do refrão. Ou por causa da melodia. Ou daqueles acordes. Ou do tema. Ou da construção da coisa. Sabemos reconhecer quando a canção nos pega, nos toca, de alguma maneira. Falei disso na letra de uma canção que fiz com Edu Santhana, “Decolagem” : “vai saber / se na palavra ou no som / acende um brilho de néon/ bem lá no fundo, coração, alma da gente” . Em suma, falo de canção que nos faz ter uma inveja saudável, tipo “essa eu queria ter feito”.

E eu queria ter feito "Guardanapos de papel".

Canção criada por um uruguaio, Leo Masliah, sob título “Birromes y servilletas”. Essa canção foi vertida para o português pelo carioca Carlos Sandroni, com o nome “Guardanapos de papel”, quase uma tradução literal da letra original. A irmã de Carlos, Clara Sandroni, gravou essa versão, no disco que lançou pela gravadora Kuarup, em 1987.

Me apaixonei, fiquei enlouquecido por essa música. Tanto que quando produzi o CD de minha irmã Lucila, quase dez anos depois, sugeri que ela a gravasse. Mas a canção não combinava com o restante do disco. Foi então que Milton Nascimento a gravou, em seu disco “Nascimento”. Lindamente. Em duas versões : a original, em espanhol, e a versão em português. Para os que conheciam o original em espanhol, a versão em português ficou muito mais bonita. A versão de Leo Masliah é mais rápida, quase irônica. As versões de Clara Sandroni e, principalmente, a de Milton Nascimento, conferiram um lirismo, uma força à canção que a matriz não tinha.

É uma elegia, uma ode aos poetas da canção. Melodia inspirada, letra poderosa, com imagens de grande beleza. Se tivesse sido lançada num dos discos de Milton Nascimento dos anos 70, certamente seria uma referência, cantada nos bares país e mundo afora, indicada em provas do vestibular... Como só veio à luz quando a mídia já não se importa mais pelos discos de Milton Nascimento, ela ficou quase como uma obscura pedra preciosa, compartilhada silenciosamente por aqueles mais ligados ao universo da música.


“Guardanapos de papel” é uma das minhas canções de cabeceira.


Na minha cidade tem poetas, poetas
Que chegam sem tambores nem trombetas
Trombetas e sempre aparecem quando
Menos aguardados, guardados, guardados
Entre livros e sapatos, em baús empoeirados
Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares
Onde vivem com seus pares, seus pares
Seus pares e convivem com fantasmas
Multicores de cores, de cores
Que te pintam as olheiras
E te pedem que não chores
Suas ilusões são repartidas, partidas
Partidas entre mortos e feridas, feridas
Feridas mas resistem com palavras
Confundidas, fundidas, fundidas
Ao seu triste passo lento
Pelas ruas e avenidas
Não desejam glorias nem medalhas, medalhas
Medalhas, se contentam
Com migalhas, migalhas, migalhas
De canções e brincadeiras com seus
Versos dispersos, dispersos
Obcecados pela busca de tesouros submersos
Fazem quatrocentos mil projetos
Projetos, projetos, que jamais são
Alcançados, cansados, cansados nada disso
Importa enquanto eles escrevem, escrevem
Escrevem o que sabem que não sabem
E o que dizem que não devem
Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas
Como se fossem cometas, cometas, cometas
Num estranho céu de estrelas idiotas
E outras e outras
Cujo brilho sem barulho
Veste suas caudas tortas
Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas
Esvaindo-se em milhares, milhares, milhares
De palavras retrocedendo-se confusas, confusas
Confusas, em delgados guardanapos
Feito moscas inconclusas
Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
E sendo eles poetas de verdade
Enquanto espiam e piram e piram
Não se cansam de falar
Do que eles juram que não viram
Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas
Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas
Lançadas ao espaço e ao mundo inteiro
Inteiro, inteiro, fossem vendo pra
Depois voltar pro Rio de Janeiro
Serviço :
Pra ouvir a versão de Milton Nascimento :
Para ouvir e ver a verão de Clara Sandroni :
Para ouvir e ver a versão original de Leo Masliah :

quarta-feira, 1 de abril de 2009

MUSICAL FM - rádio





Falar de programação de rádio nos dias de hoje é falar sobre o deserto. Todo mundo já sabe como a coisa funciona : há uma barreira intransponível que impede o acesso de artistas independentes ou fora das grandes gravadoras à execução nas rádios. Já há muito tempo, impera a payola (conforme é chamada nos States), o nosso já famoso jabá. Relações comerciais pouco edificantes entre as emissoras de rádio - concessões públicas - e as grandes corporações de entretenimento. Com algumas variações, esse é o panorama predominante. Porisso, ouvimos as mesmíssimas músicas em todas as rádios, com honrosas exceções.

E uma dessas honrosas exceções faz, nos dias de hoje, muita falta aos ouvintes da capital paulista, desde que se tornou mais uma difusora do evangelismo, no início dessa década. Pois antes dessa conversão religiosa, durante toda a segunda metade dos anos 90, ela só tocava música brasileira, música boa e - testemunho eu - sem jabá : rádio Musical FM. 105,7.

Foi a rádio que lançou Chico César, com "À primeira vista". Que lançou Zélia Duncan. Que tocava Celso Viáfora, Eduardo Gudin, Celso Fonseca. Tocava Cássia Eller, mas também tocava Simone Guimarães. Tocava Lulu Santos, mas também tocava Renato Braz. Tocava Rita Lee, mas também tocava Fátima Guedes. Tocava Caetano Veloso, mas também tocava Madan. Tocava Kid Abelha, mas também tocava Rita Ribeiro. Foi a primeira vez que me senti audível como artista, pois duas faixas do disco da dupla Juca Novaes e Edu Santhana tocavam direto na programação.

E a história mais linda que vivi como produtor de festivais ocorreu por causa da Musical FM. Em 1996, quando eu então era um dos artistas mais executados na programação da rádio, convidei Maurício Barreira, diretor de programação da dita cuja, para figurar como jurado na Fampop, em Avaré. Foi um dos melhores anos do evento. Pra comecar, o diretor musical do festival era nada mais, nada menos do que... Toninho Horta ! Além dos shows de Rita Lee, Beth Carvalho, Djavan (patrono do festival) e Kid Abelha, o vencedor ganharia um carro, e faria um show no Tom Brasil, em São Paulo. Chegaram à final fortes concorrentes, como Sérgio Santos, Moacyr Luz, Rafael Altério, Kléber Albuquerque, Keco Brandão, Jorge Vercilo, Luiz Carlos Borges. A minha preferida era uma canção do então pouco conhecido Zeca Baleiro, de nome "Dindinha", interpretada pela cantora Ceumar.

A disputa foi acirrada, e "Dindinha" acabou nem sendo premiada. Ceumar chorou, foi uma frustração, pois a música estava cotada como uma das vencedoras, inclusive por alguns jurados, como o próprio Mauricio Barreira (só como registro, estavam também no júri a cantora Alaíde Costa, os instrumentistas Derico Sciotti e Carlinhos Antunes, o letrista e produtor Costa Netto, o maestro Laércio de Freitas, o jornalista Mauro Dias, o produtor Paulo Amorim).

Naquela época, o disco do festival era gravado ao vivo, pelo craque Egídio Conde, da empresa Audiomobile. Som da melhor qualidade. Mixamos o disco, e dez dias depois da final do evento, já estava eu com duas cópias da "master" do CD nas mãos. Me lembrei imediatamente do Mauricio Barreira, e foi com ele que deixei uma das vias daquele trabalho. Quem sabe a Musical FM não tocaria aquele disco ?

Dois dias depois, ouvi "Dindinha" tocando na rádio. Pra encurtar a história, basta dizer que, três meses depois disso, já era a música mais pedida da programação. Virou hit. Zeca Baleiro e Ceumar não ganharam nenhum dos prêmios do festival, mas o mesmo festival lhes propiciou a abertura de uma porta muito mais importante.

O que aconteceu depois foi digno de filme pastelão. Enquanto a música "estourava" na Musical FM, lá em Avaré tomava posse como prefeito um cidadão que notóriamente não gostava daquele tipo de evento, sendo mais afeiçoado ao mundo country. Tanto que simplesmente não foi retirar o disco do festival, pronto na fábrica. Exatamente o disco que tinha não só "Dindinha" , mas também "Cedo ou tarde" , de Keco Brandao e Rita Altério, na voz de Daisy Cordeiro, que também se tornou um sucesso na mesma Musical FM. Em outras palavras : uma das principais rádios de São Paulo tocava sem parar duas músicas de um disco de um festival do interior que, por motivos bisonhamente políticos, sequer fora lançado. E. aliás, só foi lançado um ano e meio depois, quando a própria rádio, em parceria com a gravadora Dabliú, lançou uma coletânea, intitulada "Gema do novo", contendo as duas canções. Na ocasião, aproveitando tal lançamento, fiz um escândalo na imprensa da região, e poucos dias depois o disco foi retirado da fábrica pela prefeitura.

O vencedor daquele festival foi o excelente compositor carioca Moacyr Luz, com "O tocador é bom". Já ganhara o festival em 1991, com "Alafim", soberba parceria com Aldir Blanc. Naquela edição de 1996, eu queria convidá-lo para o júri, dentro de uma sistemática que tínhamos, de convidar para fazer um show ou colocar como jurado o artista que já tivesse sido premiado ou vencido o evento por mais de uma edição. Quando o convidei para ser jurado, ele relutou, me disse que não gostava de julgar colegas... e me perguntou :

- Qual o premio para o vencedor do festival ?

- Um carro e um show no Tom Brasil

- Posso te responder amanhã ? Vou tentar fazer uma música hoje pra me inscrever no festival. Se não conseguir terminar a música, aceitarei seu convite e irei de jurado.

Fez a música naquela madrugada, me ligou e disse :
- Desculpe, mas vou me inscrever. E vou ganhar o festival.

Ganhou mesmo. E Moacyr Luz também tocava na Musical FM.
Serviço :
Para ouvir um trecho de "Que o tocador é bom": http://amiestreet.com/music/moacyr-luz/mandingueiro/o-tocador-bom