quarta-feira, 1 de abril de 2009

MUSICAL FM - rádio





Falar de programação de rádio nos dias de hoje é falar sobre o deserto. Todo mundo já sabe como a coisa funciona : há uma barreira intransponível que impede o acesso de artistas independentes ou fora das grandes gravadoras à execução nas rádios. Já há muito tempo, impera a payola (conforme é chamada nos States), o nosso já famoso jabá. Relações comerciais pouco edificantes entre as emissoras de rádio - concessões públicas - e as grandes corporações de entretenimento. Com algumas variações, esse é o panorama predominante. Porisso, ouvimos as mesmíssimas músicas em todas as rádios, com honrosas exceções.

E uma dessas honrosas exceções faz, nos dias de hoje, muita falta aos ouvintes da capital paulista, desde que se tornou mais uma difusora do evangelismo, no início dessa década. Pois antes dessa conversão religiosa, durante toda a segunda metade dos anos 90, ela só tocava música brasileira, música boa e - testemunho eu - sem jabá : rádio Musical FM. 105,7.

Foi a rádio que lançou Chico César, com "À primeira vista". Que lançou Zélia Duncan. Que tocava Celso Viáfora, Eduardo Gudin, Celso Fonseca. Tocava Cássia Eller, mas também tocava Simone Guimarães. Tocava Lulu Santos, mas também tocava Renato Braz. Tocava Rita Lee, mas também tocava Fátima Guedes. Tocava Caetano Veloso, mas também tocava Madan. Tocava Kid Abelha, mas também tocava Rita Ribeiro. Foi a primeira vez que me senti audível como artista, pois duas faixas do disco da dupla Juca Novaes e Edu Santhana tocavam direto na programação.

E a história mais linda que vivi como produtor de festivais ocorreu por causa da Musical FM. Em 1996, quando eu então era um dos artistas mais executados na programação da rádio, convidei Maurício Barreira, diretor de programação da dita cuja, para figurar como jurado na Fampop, em Avaré. Foi um dos melhores anos do evento. Pra comecar, o diretor musical do festival era nada mais, nada menos do que... Toninho Horta ! Além dos shows de Rita Lee, Beth Carvalho, Djavan (patrono do festival) e Kid Abelha, o vencedor ganharia um carro, e faria um show no Tom Brasil, em São Paulo. Chegaram à final fortes concorrentes, como Sérgio Santos, Moacyr Luz, Rafael Altério, Kléber Albuquerque, Keco Brandão, Jorge Vercilo, Luiz Carlos Borges. A minha preferida era uma canção do então pouco conhecido Zeca Baleiro, de nome "Dindinha", interpretada pela cantora Ceumar.

A disputa foi acirrada, e "Dindinha" acabou nem sendo premiada. Ceumar chorou, foi uma frustração, pois a música estava cotada como uma das vencedoras, inclusive por alguns jurados, como o próprio Mauricio Barreira (só como registro, estavam também no júri a cantora Alaíde Costa, os instrumentistas Derico Sciotti e Carlinhos Antunes, o letrista e produtor Costa Netto, o maestro Laércio de Freitas, o jornalista Mauro Dias, o produtor Paulo Amorim).

Naquela época, o disco do festival era gravado ao vivo, pelo craque Egídio Conde, da empresa Audiomobile. Som da melhor qualidade. Mixamos o disco, e dez dias depois da final do evento, já estava eu com duas cópias da "master" do CD nas mãos. Me lembrei imediatamente do Mauricio Barreira, e foi com ele que deixei uma das vias daquele trabalho. Quem sabe a Musical FM não tocaria aquele disco ?

Dois dias depois, ouvi "Dindinha" tocando na rádio. Pra encurtar a história, basta dizer que, três meses depois disso, já era a música mais pedida da programação. Virou hit. Zeca Baleiro e Ceumar não ganharam nenhum dos prêmios do festival, mas o mesmo festival lhes propiciou a abertura de uma porta muito mais importante.

O que aconteceu depois foi digno de filme pastelão. Enquanto a música "estourava" na Musical FM, lá em Avaré tomava posse como prefeito um cidadão que notóriamente não gostava daquele tipo de evento, sendo mais afeiçoado ao mundo country. Tanto que simplesmente não foi retirar o disco do festival, pronto na fábrica. Exatamente o disco que tinha não só "Dindinha" , mas também "Cedo ou tarde" , de Keco Brandao e Rita Altério, na voz de Daisy Cordeiro, que também se tornou um sucesso na mesma Musical FM. Em outras palavras : uma das principais rádios de São Paulo tocava sem parar duas músicas de um disco de um festival do interior que, por motivos bisonhamente políticos, sequer fora lançado. E. aliás, só foi lançado um ano e meio depois, quando a própria rádio, em parceria com a gravadora Dabliú, lançou uma coletânea, intitulada "Gema do novo", contendo as duas canções. Na ocasião, aproveitando tal lançamento, fiz um escândalo na imprensa da região, e poucos dias depois o disco foi retirado da fábrica pela prefeitura.

O vencedor daquele festival foi o excelente compositor carioca Moacyr Luz, com "O tocador é bom". Já ganhara o festival em 1991, com "Alafim", soberba parceria com Aldir Blanc. Naquela edição de 1996, eu queria convidá-lo para o júri, dentro de uma sistemática que tínhamos, de convidar para fazer um show ou colocar como jurado o artista que já tivesse sido premiado ou vencido o evento por mais de uma edição. Quando o convidei para ser jurado, ele relutou, me disse que não gostava de julgar colegas... e me perguntou :

- Qual o premio para o vencedor do festival ?

- Um carro e um show no Tom Brasil

- Posso te responder amanhã ? Vou tentar fazer uma música hoje pra me inscrever no festival. Se não conseguir terminar a música, aceitarei seu convite e irei de jurado.

Fez a música naquela madrugada, me ligou e disse :
- Desculpe, mas vou me inscrever. E vou ganhar o festival.

Ganhou mesmo. E Moacyr Luz também tocava na Musical FM.
Serviço :
Para ouvir um trecho de "Que o tocador é bom": http://amiestreet.com/music/moacyr-luz/mandingueiro/o-tocador-bom

5 comentários:

  1. Caro Juca Novaes, obrigado por citar meu nome na matéria; a coincidência é que na época escutei na Musical FM: "acabaram de ouvir Caetano Veloso, Madan, e ..."

    Bons tempos e bons anos para mim - e para muitos - tocar na Musical FM, participar do FAMPOP nos anos de 1996 e 1997, ser dirigido por Toninho Horta, encontrar tanta gente amiga e talentosa como você, que fez a "ponte" com o Costa Netto oara lançar em 1997 meu primeiro CD "Madan" pela Dabliú Discos, e logo em seguida estar com a música "Cabeça" (Madan/Adélia Prado) - que tocava na Musical FM - no CD GEMA DO NOVO 2, cujo ápice foi o show com todos os artistas do CD, no Teatro do Sesc Vila Mariana.

    Espero que você volte a coordenar o FAMPOP e possa proporcionar para todos nós - como sempre - muitas alegrias, encontros e revelações.

    Um forte abraço.

    Madan (compositor paulista)

    www.myspace.com/madanmusic

    madanmusic@uol.com.br

    São Paulo/SP/BR

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  2. Juca, para mim, DINDINHA era para ganhar também, uma grande música/poema de Zeca Baleiro, na bela voz e interpretação de Ceumar.

    Dessas belezas e sutiliezas que o Mundo precisa!!!

    Grande abraço.

    Madan.

    www.myspace.com/madanmusic

    madanmusic@uol.com.br

    São Paulo/SP/BR

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  3. Vixe Juca,
    Já virei fã do seu blog.
    Muito bom!
    Grande abraço.

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  4. Juca,
    tenho os dois "Gema do Novo", e sinto falta da Musical todos os dias. Os cariocas sabem do que estamos falando, porque têm hoje a MPB FM, uma rádio que lembra a Musical, seja pelo estilo, seja pela iniciativa de lançar novos nomes. Os ouvintes entendem perfeitamente o slogan da MPB FM: "Eu amo MPB".

    Abraços,
    -- Roni

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  5. Juca, realmente a Musical Fm deixou muita saudades, quer de seus excelentes músicos, quer de seus apresentadores e colaboradores, me lembro de João Dória Júnior e seus recados de viagens... Também tenho o cd Gema do Novo... Espero que um dia esses nomes possam retomar seu espaço nas rádios e em nosso dia-a-dia. Afinal chega de tanta "americanização" e da mesmice brasileira!!!

    Beijos e abraços
    Karina

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