sábado, 14 de março de 2009

FOTOGRAFIAS - TAIGUARA - CD



A gravadora EMI acaba de lançar o CD "Fotografias" , um dos meus discos de cabeceira. Um dos mais raros trabalhos fonográficos da MPB (disputado a tapa em sebos), do compositor e cantor Taiguara, comercializado originalmente em vinil, em 1973. Eu tinha tanta paúra de perder o meu bolachão original, que através dos anos comprei mais dois exemplares, em sebos, naturalmente, para ficarem como "back up". Afinal de contas, na época em que o disco foi lançado, eu era estudante em Avaré (SP), cidade onde nasci, e assisti, como parte do projeto "Circuito Universitário", ao show de Taiguara lançando esse disco, no antigo Cine Santa Cruz (hoje mais uma igreja evangélica, daquelas que acabaram com cinemas, teatros, etc., pelo país inteiro). Na ocasião, era eu um pianista erudito pré-adolescente, que gostava dos Beatles, do Pink Floyd, do Led Zepellin e de MPB. Foi o primeiro show que presenciei ao vivo, o que me impactou profundamente.

E o " Fotografias" se tornou, desde então, um dos meus discos de cabeceira.

Do meu Top Ten.

E olha que tenho disco pra caramba.

Tirante à parte o envolvimento pessoal com o show, e a inesquecível experiência de ter assistido ao lançamento do álbum, o fato é que o disco é de uma beleza rara.

(Antes de mais nada, parênteses para um breve historico sobre o Taiguara, pra saberem do que estou falando. Até porque uma amiga me perguntou recentemente : " o pessoal já não sabe nem quem é o Chico Buarque, será que algum dia saberão que existiu o Taiguara ?" Artista lançado no auge dos festivais, na segunda metade dos anos 60, emplacou vários sucessos, sempre numa linha romântica, como " Hoje" , " Universo do teu corpo" , " Piano e viola" , "Helena, Helena, Helena" ... Mas na verdade, ao contrário do que os seus primeiros discos transpareciam, era um compositor antenado com a conjuntura política da epoca, e se tornou, já no início da década de 70, o autor mais censurado do pais. Suas canções com fundo político eram, invariavelmente, proibidas, e apenas as baladas amorosas e canções mais líricas tinham autorização para gravação. Porisso, ele cunhou cada vez mais a imagem de romântico com seu público.
Mas " Fotografias" é exatamente o disco de passagem para um outro momento, mais descompromissado com o mercado, que desaguaria no album seguinte, o mítico e raríssimo"Imira, Tayra, Ipy, Taiguara" , gravado em Londres, e jamais relançado no Brasil. Sou um dos poucos que comprou esse disco original, nos anos 70. Taiguara voltou ao Brasil, mas nunca mais foi o mesmo : com o fim da ditadura, suas canções e seus discos se tornaram cada vez mais mensagens políticas explícitas, e o Brasil já era outro. Sua obra nunca mais repercutiu como antes.)

Findo o parênteses, voltemos ao " Fotografias". Que começa com uma das canções mais belas daqueles e de todos os tempos, " Que as crianças cantem livres" , letra e música de primeira linha, com o piano de Taiguara na linha de frente, ele que também era um grande instrumentista. A letra, embora lírica, tem um conteúdo político evidente :" Vê como um fogo brando funde o ferro duro/ vê como o asfalto é seu jardim se voce crer/ que há um sol nascente avermelhando o céu escuro/ chamando os homens pro seu tempo de viver/ e que as criancas cantem livres sobre os muros/ e ensinem sonho ao que não pode amar sem dor/ e que o passado abra os presentes pro futuro/ que não dormiu e preparou o amanhecer". O arranjo é do próprio Taiguara, que também toca órgão e piano elétrico. Uma gravação que se tornou um verdadeiro clássico da MPB pós-festivais.

O piano está também presente com destaque na belissima " Romina e Juliano" (incrível como essa música ficou "escondida", e não foi regravada por ninguém importante) , que quando o disco saiu em vinil, era a " primeira faixa do lado B", e que na fase CD passou a ser a sétima faixa do disco. Taiguara era um dos poucos songwriters daqueles tempos que tinha o piano como instrumento, assim como Ivan Lins, Zé Rodrix e Marcos Valle. Guilherme Arantes não tinha nem aparecido ainda, pelo menos como carreira solo.

Outros destaques do disco são o chorinho " Cartinha pro Leblon", que tem um inspirado solo de bandoneon e o arranjo de Ubirajara Silva, pai de Taiguara, uruguaio de nascimento; e a belissima canção de amor "Fotografias" , com um arranjo sensível e delicado, contando com Taiguara no piano Fender Rhodes, uma das marcas registradas da época, além de Paulo Moura no clarinete e Mauricio Einhorn na gaita. Um luxo. Mas há muito mais no disco : a suingada "Flauta Livre", que tem o autor tocando flauta, as canções "Saudade de Marisa" e "A Companheira" (em belo arranjo de Francis Hime, que também toca piano na faixa).

A lista dos instrumentistas que participaram do disco, além dos craques já citados, é de uma verdadeira seleção brasileira : Nivaldo Ornelas (que dá um show na faixa "Nova Iorque"), Novelli, Wilson das Neves, Marlui Miranda...

Pela excelência dos arranjos, dos instrumentistas, das canções, é um disco atemporal, que ainda hoje soa incrivelmente moderno. Mostra a plenitude de um artista, como instrumentista, arranjador, autor de melodias, harmonias e letras, e cantor com grandes recursos, no auge de sua capacidade.

E, afinal, " Fotografias" tem duas razões para inaugurar esse blog, como uma das minhas paixões de cabeceira. Primeiro, por ter sido lançado, finalmente, em CD nesse março de 2009, razão pela qual já posso relaxar com minhas cópias em vinil. E, em segundo lugar, porque acabo de gravar, com os Trovadores Urbanos, um disco que abrange os anos 70. E do qual uma das faixas é exatamente " Que as criancas cantem livres" . Aguardem.


Serviço : No site da fnac dá pra ouvir todas as faixas, e comprar o disco por míseros R$ 15,00. O link é http://www.fnac.com.br/product.aspx?idProduct=5099923452220&partner=buscape_cd&res=1024

5 comentários:

  1. Prezado parceiro Juca, inauguro os comentários deste blog confraternizando-me com vc diante da imagem deste maravilhoso compositor e cantor, Taiguara. Sou um dos privilegiados possuidores do LP Imyra, Tayra, Ipy e um admirador definitivo dele.
    Aproveito para registrar aqui a minha admiração profunda por vc, pela figura inquieta e construtora que vc é e pela trajetória indelével que vc vem traçando na MPB, com sua música, iniciativas e generosidade para com todos os artistas. Os resultados destes anos de trabalho estão listados no seu CV, Bio e verbetes em livros por aí. Muitos dirão, todavia, que a sua trajetória está escrita também, no coração deles. Não dá para ver, então é preciso dizer.
    Vc está inscrito aqui no meu.
    Parabéns e abraço!
    Felipe Radicetti

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  2. Juca
    Parabéns pelo blog e falando de Taiguara,não posso deixar de dizer que foi você quem me apresentou suas obras, que estava escondido do seu tesouro a 7 chaves ( o seu armário acorrentado, lembra ?)
    Pra quem não sabe, o Juca tinha sim um armário acorrentado com cadeado com todos os seus lps, onde ele protegia dos 7 irmãos, entre eles, eu, todo seu acervo.Mas a gente sempre dava um jeito de invadi-lo e foi assim que me apaixonei por "E que as crianças cantem livres", "Romina e Juliano ", enfim, pela obra de Taiguara.
    E foi através desse tesouro que se acendeu a chama da música dentro de mim . Queria cantar todas aquelas coisas lindas que ele tinha no Baú do tesouro. Foi assim que me tornei cantora.Bjo !!!!

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  3. Pô, falar o que, depois desses dois depoimentos ? Melhor ficar quieto mesmo. Ao parceiro Radicetti, craque como compositor e ser humano, que me deu um grande prazer ao me permitir fazermos a "Primeira" (faltam a segunda, a terceira, ...), meu agradecimento e a minha admiração eternas. As amizades são as melhores coisas que conquistamos nessa caminhada, e a sua me é muito valiosa. E a Lucila, hein ? Se de alguma forma ajudei o seu destino de ser cantora, benza Deus, que essa voz maravilhosa não poderia funcionar em outra coisa.
    E é verdade, meu armário ficava trancado a sete chaves mesmo. Para guardar preciosidades como o "Fotografias". Obrigado pelo carinho e não deixem de prestigiar esse noviço e inexperiente blogueiro.

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  4. Juca,
    Este é daqueles blog que nos dá verdadeira satisfaçao em ler de cabo a rabo. Grande satisfaçao ler esta matéria de um dos melhores discos, na minha opiniao e gosto pessoal,produzido nos anos 80, o belíssimo Olho de Peixe.
    Qto ao Taiguara, levo sempre no carro um CD com os maiores êxitos deste que para mim foi um dos maiores inrterpretes da nossa querida mpb.

    Parabéns, Juca.
    Certamente serei um leitor assíduo do teu blog.

    Abraços

    Pedro Moreno

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  5. Com seis anos de atraso, li o teu post, mas nunca é tarde! :) Afinal esse é um disco eterno e tuas palavras soam e soarão sempre atuais.
    Adoro este disco, assim como toda a obra do Taiguara. Sempre ouvi tudo dele e comprei vários LPs, nem todos. Entre eles, o Imyra, Tayra, Ipy, que infelizmente foi roubado por algum amigo, a quem reconheço o bom gosto, mas me deixou órfão de uma pérola que demorei a conseguir de novo. Só com o advento da internet é que consegui baixá-lo em mp3 primitivo, daqueles de péssima qualidade. Acabei comprando a edição japonesa do CD! E agora tenho também a brasileira. Mas ficou a saudade do meu velho LP...
    Viva Taiguara!

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